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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Celso Fonseca e a canção "A Thing of Beauty"

Em 1818, o jovem poeta romântico inglês John Keats (1795-1821) publicou o poema "Endymion", aquele que começa com o célebre verso "A thing of beauty is a joy for ever" (ao pé da letra: uma coisa bela é uma alegria para sempre). Agora, o guitarrista Celso Fonseca musicou os cinco primeiros versos do poema. O grande barato desse diálogo com um poeta oitocentista é que a melodia flui com muita suavidade, com se tivesse nascido junto com as palavras de Keats. 

Clique aqui: "AThing of Beauty"  para ouvir a canção no YouTube. Canta Celso Fonseca com a participação vocal, no final, de seu parceiro, o letrista Ronaldo Bastos. No piano, o auxílio luxuoso de João Donato.

Acompanhe a letra de Keats e, mais abaixo, a tradução do poeta Augusto de Campos:

A thing of beauty is a joy for ever:
Its loveliness increases; it will never
Pass into nothingness; but still will keep
A bower quiet for us, and a sleep
Full of sweet dreams, and health, and quiet breathing.


O que é belo há de ser eternamente
Uma alegria, e há de seguir presente.
Não morre; onde quer que a vida breve
Nos leve, há de nos dar um sono leve,
Cheio de sonhos e de calmo alento.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Dia do Arquiteto

11 de dezembro, Dia do Arquiteto

E para marcar poeticamente o dia, João Cabral de Melo Neto conta a FÁBULA DE UM ARQUITETO, emoldurando a foto do arquipoeta sob as bênçãos do Ver-o-Peso...

A arquitetura como construir portas,
de abrir; ou como construir o aberto;
construir, não como ilhar e prender,
nem construir como fechar secretos;
construir portas abertas, em portas;
casas exclusivamente portas e teto.


O arquiteto: o que abre para o homem
(tudo se sanearia desde casas abertas)
portas por-onde, jamais portas-contra;
por onde, livres: ar luz razão certa. 


2.
Até que, tantos livres o amedrontando,
renegou dar a viver no claro e aberto.
Onde vãos de abrir, ele foi amurando
opacos de fechar; onde vidro, concreto;
até refechar o homem: na capela útero,
com confortos de matriz, outra vez feto.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Poetas, o Dia, 2010


Relembrando o sarau de 2010, Restaurante Portugália, poesia de Florbela Espanca:

Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!

Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas,
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos.

Os dias são Outonos: choram...choram....
Há crisântemos roxos que descoram...
Há murmúrios dolentes de segredos....

Invoco o nosso sonho... Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!...

Florbela Espanca
Poema FUMO, extraído de uma publicação fac-similar do "Livro de Sóror Saudade", editado originalmente em 1923.


Imagem do manuscrito extraída de: http://www.sonetos.com.br/biografia.php?a=28

terça-feira, 13 de setembro de 2011

11 de setembro - Parte 1 - Leonardo Boff

O que motivou o 11 de Setembro?



Alguém precisa ser desumano para não condenar os ataques de 11 de setembro contra as Torres Gêmeas e o Pentágono por parte da al-Qaeda e cruel ao não mostrar solidariedade para com as mais de três mil vítimas do ato terrorista.

Dito isto, precisamos ir mais fundo na questão e nos perguntar: por que aconteceu este atentado minuciosamente premeditado? As coisas não acontecem simplesmente porque alguns tresloucados se enchem de ódio e cometem tais crimes contra seus desafetos políticos. Deve haver causas mais profundas que a persistir continuarão alimentar o terrorismo.
Se olharmos a história de mais de um século, nos damos conta de que o Ocidente como um todo e particularmente os EUA humilharam os países muçulmanos do Oriente Médio. Controlaram os governos, tomaram-lhe o petróleo e montaram imensas bases militares. Deixaram atrás de si muita amargura e raiva, caldo cultural para a vingança e o terrorismo.
O terrível do terrorismo é que ele ocupa as mentes. Nas guerras e guerrilhas precisa-se ocupar o espaço físico para efetivamente triunfar. No terror não. Basta ocupar as mentes, distorcer o imaginário e introjetar medo. Os norte-americanos ocuparam fisicamente o Afeganistão dos talibãs e o Iraque. Mas os talibãs ocuparam psicologicamente as mentes dos norte-americanos. Infelizmente se realizou a profecia de bin Laden, feita a 8 de outubro de 2002:”os EUA nunca mais terão segurança, nunca mais terão paz”. Hoje, o país é refém do medo difuso.
Para não deixar a impressão de que seja antinorteamericano, transcrevo aqui parte da advertência do bispo de Melbourne Beach na Flórida, Robert Bowman, que antes fora piloto de caças militares e realizara 101 missões de combate na guerra no Vietnã. Endereçou uma carta aberta ao então presidente Bill Clinton que ordenara o bombardeio de Nairobi e Dar es-Salam onde as embaixadas norte-americanas haviam sido atacadas pelo terrorismo. Seu conteúdo se aplica também a Bush que levou a guerra ao Afeganistão e ao Iraque e continuada por Obama. A carta ainda atual foi publicada no católico National Catholic Reporter de 2 de outubro de l998 sob o título: "Por que os EUA são odiados?” (Why the US is hated?) tem esse teor:
"O Senhor disse que somos alvos de ataques porque defendemos a democracia, a liberdade e os direitos humanos. Um absurdo! Somos alvo de terroristas porque, em boa parte no mundo, nosso Governo defende a ditadura, a escravidão e a exploração humana. Somos alvos de terroristas porque nos odeiam. E nos odeiam porque nosso Governo faz coisas odiosas. Em quantos países agentes de nosso Governo destituíram líderes escolhidos pelo povo trocando-os por ditaduras militares fantoches, que queriam vender seu povo para sociedades multinacionais norte-americanas!
Fizemos isso no Irã, no Chile e no Vietnã, na Nicarágua e no resto das repúblicas "das bananas” da América Latina. País após país, nosso Governo se opôs à democracia, sufocou a liberdade e violou os direitos do ser humano. Essa é a causa pela qual nos odeiam em todo o mundo. Essa é a razão de sermos alvos dos terroristas.
Em vez de enviar nossos filhos e filhas pelo mundo inteiro para matar árabes e, assim, termos o petróleo que há sob sua terra, deveríamos enviá-los para reconstruir sua infraestrutura, beneficiá-los com água potável e alimentar as crianças em perigo de morrer de fome. Essa é a verdade, senhor Presidente. Isso é o que o povo norte-americano deve compreender”.
A resposta acertada, não foi combater terror com terror à la Bush, mas com solidariedade. Membros das vitimas das Torres Gêmeas foram ao Afeganistão para fundar associações de ajuda e permitir que o povo saísse da miséria. É por essa humanidade que se anulam as causas que levam ao terrorismo.

Leonardo Boff

Teólogo, filósofo e escritor


Leia a seguir a carta de Robert Bowman.

11 de Setembro - Parte 2 - Por que os EUA são odiados?

Assunto: Why US is hated?

 
Tradução da carta enviada ao Presidente dos EUA por Robert Bowan, Tenente-Coronel e ex-combatente do Vietnã, atualmente Bispo da Igreja Católica na Flórida.

"Conte a verdade ao povo, Sr. Presidente, sobre terrorismo. Se as ilusões acerca do terrorismo não forem desfeitas, então a ameaça continuará até destruir-nos completamente.
A verdade é que nenhuma das nossas milhares de armas nucleares pode proteger-nos dessas ameaças. Nenhum sistema "Guerra nas Estrelas" (não importa quão tecnicamente avançado seja, nem quantos trilhões de dólares sejam despejados nele) poderá proteger-nos de uma arma nuclear trazida num barco, avião, valise ou carro alugado.
Nem uma arma sequer do nosso vasto arsenal, nem um centavo sequer dos US$ 270.000.000.000,00 (isso mesmo, duzentos e setenta bilhões de dólares) gastos por ano no chamado "sistema de defesa" pode evitar uma bomba terrorista. Isto é um fato militar.
Como tenente-coronel reformado e freqüente conferencista em assuntos de segurança nacional, sempre tenho citado o salmo 33:
"Um rei não é salvo pelo seu poderoso exército, assim como um guerreiro não é salvo por sua enorme força." A reação óbvia é: "Então o que podemos fazer? Não existe nada que possamos fazer para garantir a segurança do nosso povo?"
Existe.
Mas para entender isso, precisamos saber a verdade sobre a ameaça. Sr. Presidente, o senhor não contou ao povo americano a verdade sobre o porquê de sermos alvo do terrorismo quando explicou porque bombardearíamos o Afeganistão e o Sudão.
O senhor disse que somos alvo do terrorismo porque defendemos a democracia, a liberdade e os direitos humanos no mundo.
Que absurdo, Sr. Presidente! Somos alvo dos terroristas porque, na maior parte do mundo, nosso governo defende a ditadura, a escravidão e a exploração humana. Somos alvo dos terroristas porque somos odiados. E somos odiados porque nosso governo fez coisas odiosas.
Em quantos países agentes do nosso governo depuseram líderes popularmente eleitos, substituindo-os por militares ditadores, marionetes desejosas de vender seu próprio povo a corporações americanas multinacionais?
Fizemos isso no Irã quando os Marines e a CIA depuseram Mossadegh porque ele tinha a intenção de nacionalizar a indústria de petróleo.
Nós o substituímos pelo Xá Reza Pahlevi e armamos, treinamos e pagamos a sua odiada guarda nacional Savak, que escravizou e brutalizou o povo iraniano para proteger o interesse financeiro de nossas companhias de petróleo.
Depois disso, será difícil imaginar que existam pessoas no Irã que nos odeiem? Fizemos isso no Chile. Fizemos isso no Vietnã.
Mais recentemente, tentamos fazê-lo no Iraque. E, é claro, quantas vezes fizemos isso na Nicarágua e outras repúblicas na América Latina?
Uma vez atrás da outra, temos destituído líderes populares que desejavam que as riquezas da sua terra fossem repartidas pelo povo que as gerou. Nós os substituímos por tiranos assassinos que venderiam o seu próprio povo para que, mediante o pagamento de vultosas propinas para engordar suas contas particulares, a riqueza de sua própria terra pudesse ser tomada por similares à Domino Sugar, à United Fruit Company, à Folgers e por aí vai .
De país em país, nosso governo obstruiu a democracia, sufocou a liberdade e pisoteou os direitos humanos. É por isso que somos odiados ao redor do mundo. E é por isso que somos alvo dos terroristas.
O povo do Canadá desfruta da democracia, da liberdade e dos direitos humanos, assim como o povo da Noruega e da Suécia. O senhor já ouviu falar de embaixadas canadenses, norueguesas ou suecas sendo bombardeadas?
Nós não somos odiados porque praticamos a democracia, a liberdade e os direitos humanos. Nós somos odiados porque nosso governo nega essas coisas aos povos dos países de terceiro mundo, cujos recursos são cobiçados por nossas corporações multinacionais. Esse ódio que semeamos virou-se contra nós para assombrar-nos na forma de terrorismo e, no futuro, terrorismo nuclear.
Uma vez dita a verdade sobre o porquê da ameaça existir e ter sido entendida, a solução torna-se óbvia. Nós precisamos mudar nossas práticas. Livrarmo-nos de nossas armas nucleares (unilateralmente, se necessário) irá melhorar nossa segurança.
Alterar drasticamente nossa política externa irá assegurá-la. Em vez de enviar nossos filhos e filhas ao redor do mundo para matar árabes de modo que possamos ter o petróleo que existe sob suas areias, deveríamos mandá-los para reconstruir sua infra-estrutura, fornecer água limpa e alimentar crianças famintas.
Em vez de continuar a matar milhares de crianças iraquianas todos os dias com nossas sanções econômicas, deveríamos ajudar os iraquianos a reconstruir suas usinas elétricas, suas estações de tratamento de água, seus hospitais e todas as outras coisas que destruímos e impedimo-los de reconstruir com sanções econômicas.
Em vez de treinar terroristas e esquadrões da morte, deveríamos fechar a Escola das Américas. Em vez de sustentar a revolta, a desestabilização, o assassínio e o terror em redor do mundo, deveríamos abolir a CIA e dar o dinheiro gasto por ela a agências de assistência.
Resumindo, deveríamos ser bons em vez de maus.
Quem iria tentar nos deter?
Quem iria nos odiar?
Quem iria querer nos bombardear?
Essa é a verdade, Sr. Presidente.
É isso que o povo americano precisa ouvir."

Robert Bowman voou em 101 missões de combate no Vietnã. Atualmente é bispo da United Catholic Church em Melbourne Beach, Flórida.


segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Aniversário do poeta


Agosto, retorno das férias.
Começa o nosso caminhar para o religioso e o profano do Círio e do Natal. E, como sempre, começamos bem: é aniversário do poeta no primeiro dia de agosto - fenômeno para celebrar.
Fenômenos? Ah, sim, estamos falando de Ney Cohen...

Estou quieto em meu canto
A domar no peito moinhos
Quando me chegas num pranto
(Redemoinhos, redemoinhos)

Falas de acasos e deveres
Desvelando com pudor teus ais
Revelas a força de teus quereres
(Vendavais, vendavais)

Escuto em tua fala - segredo
O frenesi de dois corações
Sou lançado ao alto - brinquedo
(Furacões, furacões)

De repente me dou conta...
Sem ti, o que mais valeria?
Minha mente, sã, remonta
(Calmaria, calmaria)

Tratado acerca das flores, 2010


segunda-feira, 18 de julho de 2011

Dia Nacional do Trovador - 18 de julho


Por falar em trovador no seu Dia Nacional, trovas líricas e humorísticas de Juraci Siqueira, que no dizer do saudoso Alonso Rocha é "simples e cordial, Totó, o filho do boto, sempre esbanjando técnica, talento e criatividade" (na foto, com os confrades da Cova dos Poetas em dia de lançamento de livro).

Minha saudade se expande
nesta cidade, porque
em qualquer lugar que eu ande,
tudo me lembra você!...

Teus olhos, da cor da noite,
insinuantes, fatais,
são pontas de um negro açoite
no lombo nu dos meus ais!

Dona de um fascínio farto,
a lua tanto passeia
pelo céu, de quarto em quarto,
que acaba ficando "cheia".

A garota, feito loba,
exclama, muito ofendida:
Se ele chama isso "mão boba",
imagina a "mão sabida"!...


Esse o Juraci, caboclo de Cajary, município de Afuá do nosso amado Estado do Pará, diretamente de "Alma em Pedaços - Sonetos e Trovas", 2ª edição, 2004.

terça-feira, 5 de julho de 2011

O Poeta Jack Agüeros e o mal de Alzheimer

Vejam o vídeo produzido pelo New York Times com Jack Agüeros, "poeta nova-iorquino que sofre do mal de Alzheimer, perdeu a capacidade de ler e escrever, mas ainda tem momentos de lucidez"... e ternura.

http://video.msn.com/?vid=fcd253e8-27df-6d50-08d1-83dd00e1bb0d&mkt=pt-br&src=FLPl:share:permalink:uuids

Salmo pelas mulheres



Senhor,
obrigado por teres feito as mulheres.
Obrigado por me teres dado olhos
para as olhar, nariz para as cheirar,
dedos para folhear lentamente as suas páginas,
língua para as saborear,
doces momentos para enlearmos os nossos pêlos encaracolados.

Obrigado por as teres feito
como o melhor dos géneros,
por as teres dotado com uma inteligência
que eu nunca compreendi.

E, Senhor, escuta,
pessoalmente eu não acredito no pecado,
mas por favor perdoa-me
se alguma vez fiz mal a uma mulher.

Jack Agüeros

Poema extraído de
http://arspoetica-lp.blogspot.com/2009/11/jack-agueros.html

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Fernando Pessoa



No Dia do Poeta, uma homenagem àquele que debruçou-se sobre a época das grandes navegações a imortalizou a alma lusitana.

MAR PORTUGUÊS, do único livro em língua portuguesa publicado em vida por FERNANDO PESSOA, ilustre aniversariante de hoje:


"Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu."

Imagem do blog http://liceu-aristotelico.blogspot.com.

sábado, 21 de maio de 2011

POESIA MARGINAL - CHACAL




A idade faz mal aos olhos. Em compensação encorpa a voz. Nossas paranóias da juventude se transformam em tiques nervosos. O tempo é fundamental para você adensar sua obra, capinar seu caminho de pregos e espinhos. depois de um tempo, é só juntar tudo, colocar num saco, jogar fora e virar vilão de teatro infantil. Mmmoooouuuuhhhhh!!!!!
Chacal




O carioca Ricardo Carvalho Duarte, ou simplesmente Chacal, completa 60 anos em 2011. Já se pode dizer “um senhor idoso”, mas com a mesma cabeça fervilhante do menino dos vinte anos que lançou, em 1972, o seu primeiro livro de poemas Muito Prazer, Ricardo, produzido em mimeógrafo (lembram disso?) e distribuído de mão em mão, características marcantes da poesia marginal surgida nos anos 70.

Para conhecer o poeta e seus pensamentos, sugiro a leitura do artigo Memórias de Chacal: longa jornada poesia adentro, publicado pelo jornalista Luciano Trigo para o site G1.Globo, em que entrevista Chacal pela ocasião do lançamento de seu novo livro, Uma história à margem.

....................................

“UM POETA NÃO SE FAZ COM VERSOS”

o poeta se faz do sabor
de se saber poeta
de não ter direito a outro ofício
de se achar de real utilidade pública
no cumprimento da sua missão sobre a terra
escrevendo tocando criando
o que pesa é não se achar louco
patético quixote inútil
como quem fala sozinho
como quem luta sozinho
o que pesa é ter que criar
não a palavra
mas a estrutura onde ela ressoe
não o versinho lindo
mas o jeitinho dele ser lido por você
não panfleto
mas o jeito de distribuir
quanto a você meu camarada
que à noite verseja pra de dia
cumprir seu dever como água parada
fica aqui uma sugestão:
- se engavete com os seus sonetos
porque muito sangue vai rolar e não
fica bem você manchar tão imaculadas páginas.


O BEIJO

todo mundo precisa de beijo
o ascensorista a vitrinista
o judoca o playboy
o zagueiro o bombeiro o hidrante
o hidrante precisa também
de cuidados água farta
analgésicos e dinheiro
todo mundo precisa de dinheiro
o maracanã o pavilhão de são cristóvão
o cristo a pedra da gávea o dois irmãos
quem não precisa de dinheiro?
todo mundo precisa de beijo


DESABUTINO

quem quer saber de um poeta na idade do rock
um cara que se cobre de pena e letras lentas
que passa sábado a noite embriagado
chorando que nem criança a solidão
quem quer saber de namoro na idade do pó
um romance romântico de cuba
cheio de dúvidas e desvarios
tal a balada de neil sedaka
quem quer saber de mim na cidade do arrepio
um poeta sem eira na beira de um calipso neurótico
um orfeu fudido sem ficha nem ninguém para ligar
num dos 527 orelhões dessa cidade vazia


quinta-feira, 7 de abril de 2011

A cobertura do Vinícius

Hoje, cedinho, cedinho, ao olhar para o meu quintal do vigésimo primeiro andar, pensei na cobertura da Gávea do poeta Vinícius de Moraes...

Cobertura na Gávea - Vinícius de Moraes

Todo mundo, como eu, devia ter uma cobertura. Pois ter uma cobertura significa ser Capitão de Imóvel, ter uma ponte de comando de onde observar a vida, e às vezes a morte, nos imóveis de menor calado, sempre de olhos baixos ante vosso orgulhoso gabarito. Significa poder espraiar a vista sobre o grande mar urbano, a conter em casas e apartamentos o amor que se debruça para fora das janelas, em busca de comunicação. Ter uma cobertura significa dominar; não dominar como o fazem os ditadores e os tiranos: dominar com os olhos - e também em tristeza e solidão. Significa ver sem ser visto, desvendando a rápida nudez de moças em flor a caminhar em seus aposentos: e amá-las quase sem desejo.

Em verdade, coisa bela é ser dono de uma cobertura, e poder ficar em intimidade maior com a noite, mais próximo do céu, em colóquio com as estrelas, nessa vaga embriaguez que provoca a mirada do infinito. É poder sentir a palpitação noturna da vida nas luzes acesas dentro das casas, a insinuar uma precisão de paz em meio ao grande conflito humano. Ter uma cobertura representa ser montanhês na planície dos homens e das coisas; respirar o ar menos poluído do complexo urbano; poder falar, ouvir música e amar em alto e bom som, sem a preocupação de incomodar o próximo.

Sim, todo mundo, como eu, devia ter uma cobertura na Gávea com um belo terraço, de onde se descortina, ao norte o Pão de Açúcar; ao sul o Hipódromo; a leste a réstia luminosa de Ipanema e a oeste o Corcovado - o Cristo de costas, discreto, inatento. Ter, sobretudo, uma cobertura sem grandes luxos, simples, sincera, pintada de branco e de teto baixo na qual-se possa ir e vir com um ar de comandante satisfeito com o seu barco.

Hoje posso olhar à minha volta para esses amplos espaços que me cercam, para a reserva florestal que enche de verde o meu escritório e o meu quarto, e dizer-me com orgulho : sou um homem rico !

Na realidade, de que mais preciso?

Proprietário de poemas e canções, senhor de uma mulher e uma paisagem, dono de minha vida e minha morte - não serei eu por acaso o homem mais rico desta terra?

sexta-feira, 1 de abril de 2011

MOACYR SCLIAR - Último texto

Lágrimas e testosterona


Moacyr Scliar

Atenção, mulheres, está demonstrado pela ciência: chorar é golpe baixo. As lágrimas femininas liberam substâncias, descobriram os cientistas, que abaixam na hora o nível de testosterona do homem que estiver por perto, deixando o sujeito menos agressivo. Os cientistas queriam ter certeza de que isso acontece em função de alguma molécula liberada — e não, digamos, pela cara de sofrimento feminina, com sua reputação de derrubar até o mais insensível dos durões. Por isso, evitaram que os homens pudessem ver as mulheres chorando. Os cientistas molharam pequenos pedaços de papel em lágrimas de mulher e deixaram que fossem cheirados pelos homens. O contato com as lágrimas fez a concentração da testosterona deles cair quase 15%, em certo sentido deixando-os menos machões.

(Publicado no caderno Ciência, 7 de Janeiro de 2011)


Ele vivia furioso com a mulher. Por, achava ele, boas razões. Ela era relaxada com a casa, deixava faltar comida na geladeira, não cuidava bem das crianças, gastava demais. Cada vez porém, que queria repreendê-la por urna dessas coisas, ela começava a chorar. E aí, pronto: ele simplesmente perdia o ânimo, derretia. Acabava desistindo da briga, o que o deixava furioso: afinal, se ele não chamasse a mulher à razão, quem o faria?Mais que isso, não entendia o seu próprio comportamento. Considerava-se um cara durão, detestava gente chorona.
Por que o pranto da mulher o comovia tanto? E comovia-o à distância, inclusive. Muitas vezes ela se trancava no quarto para chorar sozinha, longe dele. E mesmo assim ele se comovia de uma maneira absurda.
Foi então que leu sobre a relação entre lágrimas de mulher e a testosterona, o hormônio masculino. Foi urna verdadeira revelação. Finalmente tinha uma explicação lógica, científica, sobre o que estava acontecendo. As lágrimas diminuíram a testosterona em seu organismo, privando-o da natural agressividade do sexo masculino, transformando-o num cordeirinho.
Uma ideia lhe ocorreu: e se tomasse injeções de testosterona? Era o que o seu irmão mais velho fazia, mas por carência do hormônio.
Com ele conseguiu duas ampolas do hormônio. Seu plano era muito simples: fazer a injeção, esperar alguns dias para que o nível da substância aumentasse em seu organismo e então chamar a esposa à razão.
Decidido, foi à farmácia e pediu ao encarregado que lhe aplicasse a testosterona, mentindo que depois traria a receita. Enquanto isso era feito, ele. de repente caiu no choro,um choro tão convulso que o homem se assustou: alguma coisa estava acontecendo?
É que eu tenho medo de injeção, ele disse, entre soluços. Pediu desculpas e saiu precipitadamente. Estava voltando para casa. Para a esposa e suas lágrimas.



Moacyr Scliar, que morreu no último dia 27/02/2011, à 1h. aos 73 anos, escrevia na coluna "Cotidiano" do jornal “Folha de São Paulo”, às segundas-feiras um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornaL. Esta é a última coluna do médico e escritor publicada naquele espaço.

Texto extraído de http://www.releituras.com/mscliar_menu.asp

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

ALONSO ROCHA - O PRÍNCIPE DOS POETAS

Tive poucas oportunidades de estar ao lado do Poeta Alonso Rocha. Poucas mais boas. Na última, há pouco mais de um mês, num sarau patrocinado pelo amigo, sobrinho do Poeta, Luis Paulo, que se despedia de Belém para morar e trabalhar e Manaus, pude sentir a força do Poeta e seu amor pela poesia. Do alto de seus 84 anos, Alonso pareceu-me naquela noite um farol a guiar-nos, navegantes de palavras errantes, em direção aos mares explêndidos da verdadeira poesia, dos versos convincentes e cativantes.
Ao mestre, que hoje parte, deixo aqui o meu lamento, porque é o momento de lamentar e porque "a vida é breve dança sobre arame".



Breve tempo

Se me queres amar ama-me nesta hora
enquanto fruto dando-te a semente.
Se te apraz me louvar louva-me agora
quando do teu louvor vivo carente.

Aprende a te doar antes que a aurora
mude nas cores cinza do poente.
Se precisas chorar debruça e chora
hoje que o meu regaço é doce e quente.

A vida é breve dança sobre arame.
Sorve teu cálice antes que derrame
ninho vazio que o vento derrubou.

Porque quando eu cair num dia incerto
parado o coração o olhar deserto
nem mesmo eu saberei que já não sou.

Autor: Alonso Rocha

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

MATOS DO MUNDO e a EPÍSTOLA UNIVERSAL DO NEGRO CRISTO

O militante sonhador, ativista incansável pela causa da moradia popular, Poeta negro, autor do livro Negro encontro e, ainda, confrade honorário, Alcir Matos, ou Matos do Mundo, nos convida para o lançamento do livro de poemas O SEGREDO DA CRISÁLIDA, coletânea com vários autores e organizado por Andréa Catropa para a Editora Andross, de São Paulo.
O evento de lançamento do livro vai contar com coquetel para os convidados, entrevista com a organizadora e apresentação de performace da atriz CRISTIANA GIMENES, que selecionou 15 poemas, entre os quais o poema do Matos EPÍSTOLA UNIVERSAL DO NEGRO CRISTO, para ser lido durante o evento.
Como o lançamento do livro vai ser em São Paulo e compromissos inadiáveis (ou infinanciáveis) me impedem de viajar neste momento, deixo aqui minhas congratulaçãoes ao amigo Matos por mais esta contribuição a nossa literatura.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

RAIMUNDO CORRÊA - O poeta das pombas

Raimundo Correia (R. da Mota de Azevedo C.), magistrado, professor, diplomata e poeta, nasceu em 13 de maio de 1859, a bordo do navio brasileiro São Luís, ancorado na baía de Mogúncia, MA, e faleceu em Paris, França, em 13 de setembro de 1911. É o fundador da Cadeira n. 5 da Academia Brasileira de Letras.
Raimundo Correia ocupa um dos mais altos postos na poesia brasileira. Seu livro de estréia, Primeiros sonhos (1879) insere-se ainda no Romantismo. Já em Sinfonias (1883) nota-se o feitio novo que seria definitivo em sua obra o Parnasianismo. Segundo os cânones dessa escola, que estabelecem uma estética de rigor formal, ele foi um dos mais perfeitos poetas da língua portuguesa, formando com Alberto de Oliveira e Olavo Bilac a famosa trindade parnasiana. Além de poesia, deixou obras de crítica, ensaio e crônicas.


Obras de poesia: Primeiros sonhos (1879); Sinfonias (1883); Versos e versões (1887); Aleluias (1891); Poesias (1898, 1906, 1910, 1916); Poesias completas, 2 vols., org. de Múcio Leão (1948); Poesia completa e prosa, org. de Valdir Ribeiro do Val (1961).

O misantropo


A boca, às vezes, o louvor escapa
E o pranto aos olhos; mas louvor e pranto
Mentem: tapa o louvor a inveja, enquanto
O pranto a vesga hipocrisia tapa.

Do louvor, com que espanto, sob a capa
Vejo tanta dobrez, ludíbrio tanto!
E o pranto em olhos vejo, com que espanto,
Que escarnecem dos mais, rindo à socapa!

Porque, desde que esse ódio atroz me veio,
Só traições vejo em cada olhar venusto?
Perfídias só em cada humano seio?

Acaso as almas poderei sem custo
Ver, perspícuo e melhor, só quando odeio?
E é preciso odiar para ser justo?!


Desdéns


Realçam no marfim da ventarola
As tuas unhas de coral felinas
Garras com que, a sorrir, tu me assassinas,
Bela e feroz... O sândalo se evolua;

O ar cheiroso em redor se desenrola;
Pulsam os seios, arfam as narinas...
Sobre o espaldar de seda o torso inclinas
Numa indolência mórbida, espanhola...

Como eu sou infeliz! Como é sangrenta
Essa mão impiedosa que me arranca
A vida aos poucos, nesta morte lenta!

Essa mão de fidalga, fina e branca;
Essa mão, que me atrai e me afugenta,
Que eu afago, que eu beijo, e que me espanca!


As pombas


Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
Das pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sangüinea e fresca a madrugada.

E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais, de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações onde abotoam
Os sonhos, um a um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais.

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