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sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Lúcifer e eu


Por Flávio Aguiar.

A escrita e a publicação de meu recente livro sobre a Bíblia, em tom paródico, me trouxe uma série de recordações bíblicas e colaterais.

Entre elas, meu entrevero com Lúcifer, quando eu era professor da ativa na USP.

Naquele tempo dava eu seguidamente curso sobre Grande sertão: veredas. E era inevitável que, durante as aulas, eu falasse no nome do Diabo, e suas variantes: desde as pessoais, como Lúcifer e Belzebu, até as genéricas, como Cujo e Cão.

Deu-se no entanto o singular acontecimento de que, num desses cursos havia uma aluna que devia ser especialmente religiosa, quem sabe carola. E cada vez que eu pronunciava o nome do Cujo, em qualquer variante, ela se benzia.

Era uma tortura. Mas que acabou levando a outra.

Porque em verdade, em verdade vos digo, aquela situação aziaga despertou não sei que veia sádica dentro de mim, mas que em meu corpo ou alma devia dormitar desde sempre.

O fato é que comecei a multiplicar as menções ao nome temido. Era uma guerra: eu dizia de cá, e ela benzia-se de lá, com cada vez mais frequência e em maior velocidade. Eu me sentia como parafraseando uma canção que certa vez ouvi pela boca de Tom Zé: “era eu, era ela, era ela, era eu, nós dois numa demanda, nem ela ganhava nem eu”.

E assim passaram-se semanas, até que notei que o restante da classe se dera conta da demanda, e começara a curtir aquilo. Via-se nos olhares açulados e nos ouvidos quase em pé que a turma aguardava ansiosa o desenrolar da disputa, talvez seu desfecho dramático.

Aí o anjo-da-guarda de minha consciência de professor falou mais alto, e eu decidi pôr fim àquela sandice. Para começar, aproveitei um dia em que aquela aluna faltou.

Expus a questão, com sinceridade para a classe. Disse que a gente devia respeitar as crenças uns dos outros, e declarei que iria conversar com ela a respeito de não serem aquelas referências que eu fazia ao nome do Pé-de-Cabra uma invocação, mas uma necessidade da interpretação crítica da obra em tela.

Ademais, eu disse, entusiasmado pela receptividade que eu notara às minhas morigeradas palavras, eu achava que todo mundo tinha um pouco de medo do Diabo.

Fui falando: “só acredito que alguém não creia no Diabo, se esse alguém, numa sexta-feira 13, à meia-noite, num quarto escuro e fechado, invocar três vezes o nome dele, assim: Lúcifer! Lúcifer! Lúcifer!”

Pois no terceiro “Lúcifer!” que eu disse entrou pela janela um enorme e barulhento besouro:

“bzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz”.

E como entrou, saiu.

Olhei para a classe, a classe olhou para mim. Houve alguns risos amarelos. Felizmente, era hora do intervalo.

Conversei de fato com a aluna. Sem citar o nome Dele. Ela entendeu. Moderei minhas chamadas do seu nome.

E nunca mais voltei ao assunto.

**

Extraído de http://boitempoeditorial.wordpress.com/2012/12/20/lucifer-e-eu/

Walcyr Monteiro


O escritor das lendas e assombrações de Belém, Walcyr Monteiro, nos deu a honra de participar de uma das coletâneas da Confraria intitulada "Tratado acerca da flores". O poema abaixo é uma amostra do dinamismo do autor.











NO RIO DE MEUS AMORES

Maria caiu
No rio de meus amores
Nada, Maria, nada!

Maria afogou
No rio de meus amores
Nada, Maria, nada!

Maria saiu
Do rio de meus amores
Viva, Maria, viva!

Que aconteceu
No rio de meus amores?
Tudo, Maria, tudo
Nada, Maria, nada

No rio de meus amores
Maria foi quase tudo
Maria foi quase nada

O que ficou
No rio de meus amores?
Tudo, Maria, tudo
Nada, Maria, nada!

Walcyr Monteiro

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Emílio Moura


CANÇÃO

Viver não dói. O que dói
é a vida que se não vive.
Tanto mais bela sonhada,
quanto mais triste perdida.

Viver não dói. O que dói
é o tempo, essa força onírica
em que se criam os mitos
que o próprio tempo devora.

Viver não dói. O que dói
é essa estranha lucidez,
misto de fome e de sede
com que tudo devoramos.

Viver não dói. O que dói,
ferindo fundo, ferindo,
é a distância infinita
entre a vida que se pensa
e o pensamento vivido.

Que tudo o mais é perdido.


Emílio Moura

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quarta-feira, 7 de novembro de 2012

A janela tragadora - Alberto Abadessa

A partir de hoje vou publicar aqui alguns textos editados nos livros da Confraria d`A Cova dos Poetas, iniciando pelo conto fantástico do nosso Confrade-Mor Alberto Abadessa, A janela tragadora, que integrou a 3a. coletânea da Confraria, intitulada Vôo Noturno, de 2004.


A janela tragadora


Vivia Flávio Kato em sua casinha tranqüila. Chegava do seu simples emprego, de sua profissão com as máquinas de carros; ele era mecânico feito pela prática, pois desde pequeno, seu pai, já falecido, o colocara para tal profissão, tendo como lema a teoria: “tal pai, tal filho”. Kato fora casado dois anos, dois anos de sofrimento para sua vida. Sua mulher era completamente diferente de si, era temperamental e muito jovem. Ele casara com vinte e oito anos enquanto sua ex‑mulher, no sentido cartorial, ia completar dezenove anos. Apesar dele ser mecânico, não era um sujeito bruto como costumam ser os de mesma profissão.
Pedira o divórcio para sua mulher e foi atendido prontamente no Tribunal. Vivia com os nervos à flor da pele.
Até que, numa noite calma e sem chuva, tivera uma grande discussão com a mulher (as desgraças tendem a acontecer em tempo de chuva) e bateu nela com violência, deixando‑a quase desfalecida, pois ela havia dito que ele não passava de um homem frouxo, não sendo o único homem com quem dormia. Foi aí que Kato perdera sua calma.
Se fosse um sujeito famoso, diriam em sua biografia que nascera calmo e casara com uma mulher rebelde e sem escrúpulos, mas como Flávio Kato não passava de um mecânico com diploma do primário, fora parar na cadeia por seis meses. Só lembrava que, na noite da pancadaria na qual o silêncio era interrompido pelos gritos de sua mulher, não compreendeu certos movimentos de sua janela.
Com os pensamentos levados à traição da mulher e ao estranho movimento da janela, Kato passou as mãos por entre os cabelos e entrou em sua casa ressequido. Pensava que com o tempo, tudo ia esquecer. Mas nada esquecera, era só entrar em casa que sentia a presteza das angústias e das recordações de sua esposa.
Foi até a cozinha, tirou de sua geladeira uma conserva, preparou‑a e sentou‑se à mesa para jantar. Ao terminar de jantar, o pacato mecânico acendeu as luzes da casa e foi até a janela. Olhou‑a com certo medo no coração e se encostou a ela para olhar a noite. Sentiu vontade de dar uma volta pelas ruas da cidade, mas o medo e o cansaço o fizeram ficar em casa.
Saiu da janela, sentou no sofá e depois se deitou. Lembrou‑se de sua esbelta mulher. Não podia esquecê‑la. "Muitas vezes", pensou Kato, "ela estava ali sentada na poltrona me convidando pra sair, ir dançar nas casas de festas, beber; quando não conseguia, vinha mexer comigo até levá‑la pra cama carregada em meus braços. Eu amava minha mulher e se voltasse um dia, da forma que fosse, eu a aceitaria. Oh! Como sou idiota, devia odiá‑la, mas ainda a amo e não encontro uma mulher para amar. A vida não deveria ser dessa maneira. E o que mais me intriga é que meus vizinhos pensam que levo uma vida tranqüila, eles não sabem o que vai dentro do meu coração, pensam que só vivo para as malditas máquinas que desde pequeno não me largam, não me deixam um só dia, só fiquei livre delas quando fui preso”. E continuou:
“Passei o diabo na cadeia, vivi com ladrões e assassinos. Mas não consegui esquecer minha mulata, já tentei, já tentei e não consegui. O pior é que nem amigos eu tenho”.
E dentro de sua desolação o mecânico caiu no sono.
Teve um terrível sonho. A janela do seu quarto saiu atrás de sua mulher. Ao encontrá‑la com um amante, na cama de alguma pensão da cidade, tragou-os sem­ dar oportunidade de falarem a ninguém. E seguiu sua tragação pela cidade, lançando dentro do seu espaço vazio um cão, um gato e um carro, seguindo para a oficina. Lá estavam os mecânicos trabalhando, só não estava Kato. A janela primeiramente tratou de tragar os carros e depois os operários, em seguida saiu em direção do escritório do dono da oficina, um ex-mecânico que com seu esforço conseguiu levar a cabo seu sonho de ter uma oficina sua. Ao deparar com aquela matéria sólida, deu um sorriso lascivo com seu vasto bigode de homem de negócios. Pensou que fosse alguma brincadeira de um dos seus empregados.
Abriu a janela de seu escritório e deparou com sua oficina completamente vazia tanto de carros como também de seus funcionários. Os cabelos de seu corpo se arrepiaram todos. Quis gritar pelos pulmões algo que tirasse seu medo, o que somente o ser humano sabe expressar quando está em dificuldade. Devido à grande falsidade da humanidade, os homens só possuem medo quando estão em dificuldade e o dono daquela oficina estava prestes a morrer.
A janela tragadora, como se fosse dirigida por algum aparelho magnético, se aproximou da mesa e tragou todos os papéis e o dinheiro que o homem contava quando ela entrara em seu escritório.
O homem, apavorado ao ver tudo desaparecer no espaço vazio da janela, correu para a porta tentando fugir, mas encontrou a porta trancada; voltou‑se para a janela e encontrou‑a aberta. Olhou então para baixo, eram uns quatro metros de altura, mas era sua vida que estava em perigo. Um espaço engolindo tudo, não podia acreditar e não podia ter muito no que pensar. A janela parecia gostar de magoar no fundo o dono da oficina.
E, como o medo é o propulsor dos grandes saltos do homem contra muitas injustiças de outros, ou seja, de homens para outros homem, o homem se lançou da janela de seu escritório para a oficina. Porém, como se a janela tragadora houvesse computado o tempo em ano luz de velocidade, lançou‑se ao homem antes que caísse no solo do seu ganha pão.
A janela tragadora segurou o homem e fez diferente dos demais que havia tragado até então. Foi tragando o homem devagarzinho, começando pelas pernas como se ela fosse um desintegrador que não deixa vestígio, o tipo de arma pro crime perfeito.
Ao ver‑se desaparecer, o homem clamava por Deus, pelos homens, pelos nomes de seus empregados e ninguém vinha à sua procura. O estranho que acontecia para o homem era que seu corpo já estava na metade e ele ainda não havia morrido. Ele continuava a gritar, a chamar por Deus, por Jesus e outros profetas, por seus pais que já haviam ido para o além. Num piscar de pensamentos o homem imaginou que aquela janela era um espírito muito poderoso e que ao seu pai e a sua mãe já mortos poderia pedir pra que não morresse. Mas o pedido para seus pais não foi atendido, seu coração já havia sido tragado e só faltava a cabeça. Seu corpo desaparecera mas, ainda estava vivo e continuava pedindo para ficar vivo.
O fim do homem chegara, tudo nele havia desaparecido. E a janela, não conformada, começou a tragar o edifício onde havia carros, operários e patrão. E quando tudo estava um vazio, ela partiu pelo ar da escuridão. Olhou para as estrelas como se estivesse agradecendo sua destruição.
A janela parou a uma certa altura, na direção da lua como se estivesse sorrindo para sua beleza e como se quisesse dizer: “Se tivesse mais algumas janelas como eu nessa esfera de homens gananciosos, homens criminosos, homens que não sabem a beleza de suas próprias naturezas, que não podem fazer tudo mais belo e mais sereno e tranqüilo como tu, oh lua!, oh estrelas belas que iluminam o céu e se casam entre si, sem nenhuma força política contradizendo suas formas de amar”.
“Traguei crápulas, traguei crápulas, me cansei de tragar crápulas, me cansei, me cansei. Mas tu, oh lua, estrelas, me perdoem, porque a humanidade cansa, a humanidade cansa como eu cansei de tragar crápulas”.
“Me espera lua, me esperem estrelas, falta algo, falta tragar mais um crápula”.
Kato acordou de repente no meio da noite apavorado com o sonho que tivera e exclamou:
Esqueci a casa aberta!
Passou as mãos nos olhos, sonolento, e ao retirar a mão do rosto, deparou com a janela tragadora no meio de sua sala. Olhou para o lugar de sua janela, lá estava ela aberta, faltava somente fechar.
O homem recuou um pouco, pensando que ainda estava dormindo, que ainda estava sonhando com uma janela que tragava os crápulas da humanidade. Mas Flávio Kato estava acordado, ele sabia que estava acordado. Sentiu um calafrio quando a estranha janela branca aproximou‑se de si, o medo era toda sua vida naquele momento.
Lembrou‑se do seu sonho, do escritório do seu patrão e que sentiu o maior medo. Só que não era aquela janela que tragara gatos, cachorros, sua mulher, e seu patrão, esta era a de sua casa, a que ele vira mexer quando quase matara sua mulher de pancadas.
Bem próximo da janela branca, ele suava por todos os poros. Um grito de medo saiu de sua boca. Mas logo se fez um silêncio terrível dentro de sua casa.
A janela o tragara.
A beleza do céu, através do brilho da lua e das estrelas que ainda iam casar, e que pareciam muito felizes com o ato, refletia dentro da casa, onde no silêncio, só se escutou o barulho do fechar da janela.

Alberto Abadessa

sexta-feira, 15 de junho de 2012

OBITUÁRIO


Anteontem

Saíste apressado do teu barraco
Tua mãe perguntou aonde ias
Nada disseste
Era noite:
- Menino, olha o que tu vai fazer!
Alertou aflito o coração de mãe
Encontraste um amigo
Bebeste com ele
Brincaste
Lançaste a proposta
Tiraste um sarro:
- Covarde, bundão!
- Tá bem, vamu lá!
Ele disse
Alugaste o trinta e oito
Na mesma boca de fumo do Rubião:
- Devolve rapaz, senão és defunto!
- Deixa comigo!
Disseste
É parada dada
Não tem o que errar
Passaste na casa da Deuzimar
Trocaste uns beijinhos
Teu parceiro tava suando
- É onze hora, cumpadre!
- Vai querer fuder?
Sorriste pra ele
Pegaste o camelo
Ele subiu na garupa
             - Não te afoba
             - É parada dada
             - É dia de pagamento
             - A Moça tá buiada
             - Não tem o que errar
Chegaste na Quintino
Faltava pouco
Era quase meia-noite
Tu tava de mutuca
             - É parada dada
             - É só esperar
Olhaste pro canto não viste a moça
Viste a patrulha em ronda inesperada
Procuraste abrigo num canto escuro
Seguraste o trabuco sem pensar
O teu comparsa fugiu numa pisada
Ficaste...
Reagiste...

Ontem

Eu vi a tua foto
Derramando sangue no jornal
Eras conhecido da polícia
Tinhas passagem na 1ª Zpol
- Elemento perigoso!
Dizia o policial
Olhei teu rosto de menino
Dormindo no chão do beco
Perigo se havia não há mais
Não há mais passado
Não há mais futuro
O Rubião perdeu a arma
E o vício, um viciado
A moça nem soube do acontecido
Dormiu na casa do namorado
A tua mãe inconsolada chora
Junto aos teus irmãos espantados

Hoje

Foste enterrado
No Cemitério Municipal do Tapanã
João Rosa Laranjeira, 19 anos
Assim dizia, seco
O obituário.

Ney Cohen

quarta-feira, 14 de março de 2012

Dia Nacional do Poeta

14 de março, aniversário do poeta Castro Alves.
Bom motivo para celebrarmos, inclusive nossas primeiras inspirações: FUNDO DE GAVETA.

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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

NÃO, O GRILEIRO NÃO VAI VENCER!

Este texto foi extraído do blog do jornalista Ricardo Kotscho e já está sendo reproduzido em centenas de outros blogs internet afora em solidariedade ao Lúcio Flávio Pinto.
O texto que deu origem a essa onda de apoio saiu no site da Adital, no dia 13 de fevereiro, O Grileiro vencerá?onde Lúcio Flávio nos conta o infortúnio que sofreu com a decisão do STJ, em Brasília, na ação movida contra ele por conta da denúncia que fez em seu Jornal Pessoal sobre a grilagem de terras praticada pelo empresário Cecílio do Rego Almeida, dono da Construtora C. R. Almeida.
Lúcio termina seu relato com o seguinte parágrafo:


Terei que ir atrás da solidariedade dos meus leitores e dos que me apoiam para enfrentar mais um momento difícil na minha carreira de jornalista, com quase meio século de duração. Espero contar com a atenção das pessoas que ainda não desistiram de se empenhar por um país decente.


Este blog entra nesta corrente de solidariedade e divulga aos nossos amigos leitores para que também se indignem com essa estupidez praticada pela justiça do estado do Pará, agora com a conivência da justiça federal e vamos responder à pergunta do Lúcio com um imenso


NÃO, O GRILEIRO NÃO VAI VENCER!

E para quem quiser contribuir financeiramente, o próprio Lúcio Flávio Pinto coloca a disposição uma conta. Veja aqui: http://blogmanueldutra.blogspot.com/2012/02/lucio-flavio-perseguicao-afeta.html

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Publicado em 14/02/12 às 10h17

Jornalista ameaçado: somos todos Lúcio Flávio


blog do jornalista Ricardo Kotscho

Caros leitores e colegas jornalistas,
trabalhei durante muitos anos com um jornalista excepcional: Lúcio Flávio Pinto, um paraense de notável coragem, que dedicou toda sua vida pessoal e profissional a divulgar e defender a sua terra e a sua gente. É o maior especialista em Amazônia do jornalismo brasileiro.
Lúcio é, acima de tudo, um estudioso, um trabalhador incansável, que não se conforma com as injustiças e as bandalheiras de que são vítimas a floresta e o povo que nela habita. Por isso, foi perseguido a vida toda pelos que ameaçam a sobrevivência desta região transformando as riquezas naturais em fortunas privadas.
Agora quem está ameaçado é o próprio Lúcio Flávio, na sua luta solitária contra dezenas de processos movidos pelos poderosos na Justiça para impedí-lo de continuar denunciando os assassinos da floresta.
Quem sempre esteve ao seu lado foi Raul Martins Bastos, nosso chefe no "Estadão", que me enviou na noite de segunda-feira a mensagem transcrita abaixo. É um libelo não só em defesa do grande jornalista, mas da nossa profissão permanentemente ameaçada nos tribunais.
Onde estão nesta hora as poderosas entidades patronais da mídia, como a ANJ e o nstituto Millenium, e seus arautos sempre tão preocupados na defesa da liberdade de imprensa e de expressão?
Lúcio está fora da grande imprensa há muitos anos, sobrevivendo com o seu  "Jornal Pessoal", um quinzenário que produz sozinho. Talvez por isso não mereceça a atenção dos editorialistas dos jornalões e das entidades que costumam se manifestar nestas horas, como a OAB e a CNBB.
Cabe, portanto, a nós, jornalistas, sair em sua defesa como propõe o mestre Raul Bastos e sermos todos Lúcio Flávio nesta hora.
***
"A indignidade que estão fazendo contra o jornalista Lúcio Flávio Pinto" é o título do texto-apelo de Raul Bastos:
"Peço que você não deixe de ler esta nota. É a história de uma injustiça. Uma indignidade.
Lúcio Flavio Pinto é um jornalista de Belém do Pará que há quase vinte anos edita uma publicação chamada Jornal Pessoal. É um profissional excepcional e fonte obrigatória quando for ser escrita a verdadeira história da região dos anos 70 para cá. Trabalhou, entre outros lugares, na Realidade, no Correio da Manhã e, por longos anos, no O Estado de S.Paulo como principal repórter da região e coordenador geral da cobertura dos correspondentes da Amazônia. Nesse período teve vida acadêmica e deu cursos sobre a Amazônia em universidades dos Estados Unidos e da Europa.
O Jornal Pessoal ele faz sozinho, da apuração à edição. Não tem publicidade. Evidentemente, o jornal luta para se manter. Mas esse é o menor problema da vida do Lúcio Flávio.
O grande problema é a pressão sistemática que ele sofre dos poderosos da região por publicar matérias que denunciam indignidades e incomodam justamente os poderosos da região. Tentam calá-lo de várias maneiras, da intimidação à agressão, e ele tem resistido bravamente.
Tentam sufocá-lo e calá-lo com 33 processos. Um deles está para ser concluído e tudo indica que poderá ser desfavorável.
Qual o "crime" do Lúcio Flávio Pinto?
O Lúcio publicou denúncias comprovadas de que estava ocorrendo uma enorme grilagem de terras na região. Com isso impediu que o empreiteiro CR Almeida fizesse na Amazônia a maior grilagem da história do Brasil. Em represália, foi processado por CR Almeida sob a alegação de ter sido chamado de pirata numa das matérias do Lúcio Flávio, o que julgou ofensivo.
Foi indo, foi indo e, agora, anos depois e por incrível que pareça, o caso está terminando assim:
Com o CR Almeida não aconteceu nada.
Com o Lúcio, se avizinha uma condenação. Com essa condenação, a perda da primariedade, uma porta aberta para a intimidação absoluta.
Os amigos do Lúcio Flávio,entre os quais com muito orgulho me incluo, decidiram que ele não pode e nem vai ficar sozinho.
Vamos batalhar para tentar esgotar todas as possibilidades jurídicas do caso.
Vamos batalhar para que o caso ganhe espaço na imprensa e nas redes sociais. Vamos chamar a atenção da imprensa especializada e internacional para o caso.
Vamos batalhar, se por acaso ocorrer o pior, para que ele tenha recursos para enfrentar a situação.
O objetivo deste email é dar conhecimento do que está acontecendo e da nossa disposição de não deixar continuar acontecendo.
O objetivo deste email é pedir a sua ajuda. Primeiro, divulgando o que está acontecendo no seu veículo de comunicação, na sua coluna, nos sites, redes sociais. Depois, nos ajudando nas ações nas áreas da comunicações e mobilização que tomaremos diante de cada circunstância.
Para quem quiser mais informações do que aconteceu e do que está acontecendo ler o texto abaixo do próprio Lúcio.
Contando com você, muito obrigado e um abraço do Raul Bastos".
***
O texto de Lúcio Flávio Pinto:
O Grileiro vencerá?
Em 1999 escrevi uma matéria no meu Jornal Pessoal denunciando a grilagem de terras praticada pelo empresário Cecílio do Rego Almeida, dono da Construtora C. R. Almeida, uma das maiores empreiteiras do país, com sede em Curitiba, no Paraná.
Sem qualquer inibição, ele recorreu a vários ardis para se apropriar de quase cinco milhões de hectares de terras no rico vale do rio Xingu, no Pará, onde ainda subsiste a maior floresta nativa do Estado, na margem direita do rio Amazonas, além de minérios e outros recursos naturais. Onde também está sendo construída a hidrelétrica de Belo Monte, para ser a maior do país e a terceira do mundo.
Os 5 milhões de hectares já constituem território bastante para abrigar um país, mas a ambição podia levar o empresário a se apossar de área ainda maior, de 7 milhões de hectares, o equivalente a 8% de todo o Pará, o segundo maior Estado da federação brasileira. Se fosse um Estado, a "Ceciliolândia" seria o 21º maior do Brasil.
Em 1996, na condição de cidadão, ajudei a preparar uma ação de anulação e cancelamento dos registros das terras usurpadas por C. R. Almeida, com a cumplicidade da titular do cartório de registro de imóveis de Altamira e a ajuda de advogados inescrupulosos. A ação foi recebida e todos advertidos de que aquelas terras não podiam ser comercializadas, por estarem sub-judice, passíveis de nulidade.
Os herdeiros do grileiro podem continuar na posse e no usufruto da pilhagem, apesar dessa decisão, porque a grilagem recebeu decisão favorável de dois desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado. Deve-se salientar que essas foram as únicas decisões favoráveis ao grileiro.
Com o acúmulo de informações sobre o estelionato fundiário, os órgãos públicos ligados à questão foram se manifestando e tomando iniciativas contra o golpe. O próprio poder judiciário estadual interveio no cartório de Altamira e demitiu todos os serventuários que ali trabalhavam, inclusive a escrivã titular, por justa causa.
Todos os que o empresário processou na comarca de São Paulo foram absolvidos. O juiz observou que essas pessoas, ao invés de serem punidas, mereciam era homenagens por estarem defendendo o patrimônio público.
A justiça de São Paulo foi muito mais atenta à defesa da verdade e da integridade de um bem público ameaçada por um autêntico "pirata fundiário", do que a justiça do Pará, com jurisdição sobre o território esbulhado. C. R. Almeida considerou ofensiva à sua dignidade moral a expressão, "pirata fundiário",  e as duas instâncias da justiça paraense sacramentaram a sua vontade.
Mesmo tendo provado tudo que afirmei fui condenado. A cabulosa sentença de 1º grau foi confirmada pelo tribunal, embora a ação tenha sido abandonada desde que Cecílio do Rego Almeida morreu, em 2008.
Depois de enfrentar todas as dificuldades possíveis, meus recursos finalmente subiram a Brasília em dezembro do ano passado. O recurso especial seguiu para o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Ari Pargendler, graças ao agravo de instrumento que impetrei (o Tribunal do Pará rejeitou o primeiro agravo; sobre o segundo já nada mais podia fazer).
Mas o presidente do STJ, em despacho do último dia 7, negou seguimento ao recurso especial. Alegou erros formais na formação do agravo: "falta cópia do inteiro teor do acórdão recorrido, do inteiro teor do acórdão proferido nos embargos de declaração e do comprovante do pagamento das custas do recurso especial e do porte de retorno e remessa dos autos".
A falta de todos os documentos apontada pelo presidente do STJ me causou enorme surpresa. Vou tentar esclarecer a situação, sabendo das minhas limitações. Não tenho dinheiro para sustentar uma representação desse porte. Muito menos para arcar com a indenização.
Desde 1992 já fui processado 33 vezes. Nenhum dos autores exerceu o legítimo direito de defesa. O Jornal Pessoal reproduz todas as cartas que recebe, mesmo as ofensivas, na íntegra. Todos foram diretamente à justiça, certos de contarem com a cumplicidade daquele tipo de toga que a valente ministra Eliana Calmon, Corregedora Nacional de Justiça, disse esconder bandidos, para me atar a essa rocha de suplícios, que, às vezes, me faz sentir no papel de um Prometeu amazônico.
Apesar de todas essas ações e do martírio que elas criaram na minha vida nestes últimos 20 anos, mantenho meu compromisso com a verdade, com o interesse público e com uma melhor sorte para a Amazônia, onde nasci. Não gostaria que meus filhos e netos (e todos os filhos e netos do Brasil) se deparassem com espetáculos tão degradantes, como o que vi: milhares de toras de madeira de lei, incluindo o mogno, ameaçado de ser extinto nas florestas nativas amazônicas, nas quais era abundante, sendo arrastadas em jangadas pelos rios por piratas fundiários, como o extinto Cecílio do Rego Almeida.
Depois de ter sofrido todo tipo de violência, inclusive a agressão física, sei o que me espera. Mas não desistirei de fazer aquilo que me compete: jornalismo. Algo que os poderes, sobretudo o judiciário do Pará, querem ver extinto, se não puder ser domesticado conforme os interesses dos donos da voz pública.
Decidi escrever esta nota não para pressionar alguém. Não quero extrapolar dos meus direitos. Decisão judicial cumpre-se ou dela se recorre. Se tantos erros formais foram realmente cometidos no preparo do agravo, o que me surpreendeu e causou perplexidade, paciência: vou pagar por um erro que impedirá o julgador de apreciar todo meu extenso e profundo direito, demonstrado à exaustão nas centenas de páginas dos autos do processo.
Terei que ir atrás da solidariedade dos meus leitores e dos que me apoiam para enfrentar mais um momento difícil na minha carreira de jornalista, com quase meio século de duração. Espero contar com a atenção das pessoas que ainda não desistiram de se empenhar por um país decente.
Belém (PA), 11 de fevereiro de 2012
LÚCIO FLÁVIO PINTO
Editor do Jornal Pessoal

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Custeio de viagens em atividades culturais

Artistas, técnicos, estudiosos e agentes culturais poderão ter auxílio financeiro para despesas de viagens em atividades culturais, promovidas por instituições brasileiras ou estrangeiras. Na última sexta-feira (27), foi lançado o edital do Programa de Intercâmbio e Difusão Cultural. Com investimento de R$ 3,3 milhões, a seleção contempla viagens que ocorrerão entre abril e setembro de 2012. As inscrições para viagens em abril vão até 12 de março. Os participantes devem ter uma das seguintes finalidades: apresentação de trabalho próprio; residência artística e de gestão; cursos de capacitação; ou participação em evento de reconhecimento ao trabalho próprio desenvolvido, como premiações e homenagens. Desde o último edital, lançado em julho do ano passado, o benefício pode ser utilizado para custear despesas com o transporte de material, cenários ou equipamentos utilizados na realização da atividade, estada durante o período de participação no evento, inscrição e confecção de material para a atividade, entre outras despesas. O candidato deve informar, no ato da inscrição, de que forma utilizará o auxílio financeiro.

Confira aqui  o Edital de Intercâmbio.

Veja aqui a cartilha explicativa

Extraído do sítio da SECOM

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

7 ou 12 de janeiro: qual a maior data cívica de Belém?

Recebi este e-mail do poeta e amigo Juraci Siqueira e de forma (in)escrupulosa resolvi publicá-lo aqui. É imprescindível que conheçamos a nossa história para que nos orgulhemos da nossa terra, do nosso povo e da nossa cultura.


7 ou 12 de janeiro:
           qual a maior data cívica de Belém?


No próximo dia 12 de janeiro estaremos comemorando os 396 anos de fundação de Belém. Mas quantos terão lembrado do 7 de janeiro e do que ele representa para o sentimento nativista do povo paraense? Em verdade, que outra data representa melhor a soberania e o orgulho de nossa gente? Enquanto a primeira marca o início de nossa colonização, a segunda representa o desabrochar do sentimento nativista, da luta do povo por justiça e liberdade. Primeiro em 7 de janeiro de 1619 quando Guaymiaba, cacique tupinambá, tomba ao lado de dois mil guerreiros ante as muralhas do Forte do Presépio na vã tentativa de libertar Belém de mãos tiranas. Depois, nomesmo dia do ano de 1835,a Cabanagem, a mais genuína revolução popular do Brasil, sagrou-se vitoriosa em seu primeiro embate contra a tirania.Aqui, os dois episódios da nossa tão mal contada História que muitos fazem questão de esconder...


VÔO ENTRE ARMAS I


Era sete de janeiro.
De quando em vez um banzeiro
rebentava na muralha
antecipando a batalha
contra o Forte do Castello
primeiro e mortal duelo
na Belém recém-nascida
precocemente envolvida
em sua casta inocência
nos lençóis da violência.


Era janeiro. Chovia.
Céu escuro, manhã fria
com feição de luto e medo.
vez por outra do arvoredo
um agourento chincoã
engravidava a manhã
com seu canto mandingueiro.


Era sete de janeiro...
Do Piri as verdes margens
escondiam nas ramagens
guerreiros Tupinambá,
angelins do Grão Pará
pintados de amor e guerra,
de revolta e bem querer
para lutar pela terra
ou sobre a terra morrer.


Belém nem tinha três anos
e já registrava os danos
de um batismo a ferro e fogo
no brutal e eterno jogo
entre opressor e oprimido
entre mocinho e bandido
entre balas carniceiras
e taquaras justiceiras,
bordunas de redenção
contra espadas de opressão!


Tomba o grande Guaymiaba,
cacique Tupinambá
e longa noite desaba
sobre Belém do Pará.


Cai por terra Guaymiaba
mas a luta não acaba
naquele triste janeiro.
Em cada peito guerreiro
as sementes da igualdade,
da justiça e liberdade
germinam feito capim
à espera de um dia, além,
que a rosa rubra do povo
desabrochasse de novo
nos canteiros de Belém.






VÔO ENTRE ARMAS II


Manhã sem luz, sem cor, sem poesia...
De quando em vez do matagal se ouvia
o agourento cantar de um chincoã.


Era o sétimo dia de janeiro.
Na muralha o marulho do banzeiro
embalava Belém que ainda dormia.


A história se repete. Nada é novo.
Mesmo palco de luta, mesmo povo
mesmos tiranos, mesmos ideais.


E Guymiaba após duzentos anos
renasce e luta ao lado dos cabanos
fundido ao lema vencer ou vencer!


A luta é desigual: artilharias
contra espingardas, ódio e tirania
contra o ideal e a fome de justiça!


A história desta vez não se repete:
Belém, cansada, nesse dia sete,
adormece nos braços do seu povo.

Com um abraço cabano do
Antonio Juraci Siqueira