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quinta-feira, 7 de abril de 2011

A cobertura do Vinícius

Hoje, cedinho, cedinho, ao olhar para o meu quintal do vigésimo primeiro andar, pensei na cobertura da Gávea do poeta Vinícius de Moraes...

Cobertura na Gávea - Vinícius de Moraes

Todo mundo, como eu, devia ter uma cobertura. Pois ter uma cobertura significa ser Capitão de Imóvel, ter uma ponte de comando de onde observar a vida, e às vezes a morte, nos imóveis de menor calado, sempre de olhos baixos ante vosso orgulhoso gabarito. Significa poder espraiar a vista sobre o grande mar urbano, a conter em casas e apartamentos o amor que se debruça para fora das janelas, em busca de comunicação. Ter uma cobertura significa dominar; não dominar como o fazem os ditadores e os tiranos: dominar com os olhos - e também em tristeza e solidão. Significa ver sem ser visto, desvendando a rápida nudez de moças em flor a caminhar em seus aposentos: e amá-las quase sem desejo.

Em verdade, coisa bela é ser dono de uma cobertura, e poder ficar em intimidade maior com a noite, mais próximo do céu, em colóquio com as estrelas, nessa vaga embriaguez que provoca a mirada do infinito. É poder sentir a palpitação noturna da vida nas luzes acesas dentro das casas, a insinuar uma precisão de paz em meio ao grande conflito humano. Ter uma cobertura representa ser montanhês na planície dos homens e das coisas; respirar o ar menos poluído do complexo urbano; poder falar, ouvir música e amar em alto e bom som, sem a preocupação de incomodar o próximo.

Sim, todo mundo, como eu, devia ter uma cobertura na Gávea com um belo terraço, de onde se descortina, ao norte o Pão de Açúcar; ao sul o Hipódromo; a leste a réstia luminosa de Ipanema e a oeste o Corcovado - o Cristo de costas, discreto, inatento. Ter, sobretudo, uma cobertura sem grandes luxos, simples, sincera, pintada de branco e de teto baixo na qual-se possa ir e vir com um ar de comandante satisfeito com o seu barco.

Hoje posso olhar à minha volta para esses amplos espaços que me cercam, para a reserva florestal que enche de verde o meu escritório e o meu quarto, e dizer-me com orgulho : sou um homem rico !

Na realidade, de que mais preciso?

Proprietário de poemas e canções, senhor de uma mulher e uma paisagem, dono de minha vida e minha morte - não serei eu por acaso o homem mais rico desta terra?

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