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sexta-feira, 2 de abril de 2010

JORGE LUIS BORGES - ANTOLOGIA PESSOAL



No livro Antologia Pessoal (Antología Personal), editado no Brasil em 2008 pela Companhia das Letras, Jorge Luis Borges reuniu os textos pelos quais gostaria de ser lembrado: "Quero ser julgado por ele, justificado ou reprovado por ele, não por determinados exercícios de excessiva e apócrifa cor local que andam pelas antologias e de que não consigo me lembrar sem corar.", diz o poeta no prólogo, datato de 16 de agosto de 1961.
O livro mistura verso e prosa do autor argentino, que nasceu em 1899 e faleceu em 1986, na Suiça, mundialmente conhecido pelos seus contos fantáticos.
Abaixo, dois poemas do autor de "O Aleph".


arte poética


Fitar o rio feito de tempo e água
e recordar que o tempo é outro rio,
saber que nos perdemos como o rio
E que os rostos passam como a água.

Sentir que a vigília é outro sonho
que sonha não sonhar e que a morte
que teme nossa carne é essa morte
de cada noite, que se chama sonho.

No dia ou no ano perceber um símbolo
dos dias de um homem e ainda de seus anos,
transformar o ultraje desses anos
em música, em rumor e em símbolo,

na morte ver o sonho, ver no ocaso
um triste ouro, tal é a poesia,
que é imortal e pobre. A poesia
retorna como a aurora e o ocaso.

Às vezes pelas tardes certo rosto
contempla-nos do fundo de um espelho;
a arte deve ser como esse espelho
que nos revela nosso próprio rosto.

Contam que Ulisses, farto de prodígios,
chorou de amor ao divisar sua Ítaca
verde e humilde. A arte é essa Ítaca
de verde eternidade, sem prodígios.

Também é como o rio interminável
que passa e fica e é cristal de um mesmo
Heráclito inconstante, que é o mesmo
e é outro, como o rio interminável.

 
a um velho poeta
 
Caminhas pelos campos de Castela
e quase não o vês. Um intricado
versículo de João é teu cuidado
e mal percebes a luz amarela
 
do por do sol. A vaga luz delira
e nos confis do Leste se dilata
essa lua de escárnio e de escarlata
que talvez seja o espelho da Ira.
 
O olhar elevas e a contemplas. Uma
memória de algo que foi teu começa
e se dissipa. A pálida cabeça
 
curvas e segues caminhando triste,
sem recordar o verso que escreveste:
seu epitáfio a sangrenta lua

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