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quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

A POESIA NO PODER

Juiz gaúcho escreve sentença em forma de poesia

CAROLINA FARIASda Folha Online
Um juiz da Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu variar e elaborou um acórdão (decisão sobre recursos judiciais) em forma de verso.
Coube ao juiz Afif Jorge Simões Neto, 49, analisar um pedido de recurso de uma ação indenizatória por danos morais. Um homem de Santana do Livramento, no interior do Estado, moveu a ação por ter se sentido ofendido com um pronunciamento feito na Câmara do município. O réu da ação teria dito no pronunciamento que o autor do pedido não teria feito uma prestação de contas à prefeitura.
Em primeira instância, o autor venceu a causa, mas o réu recorreu. O juiz Simões Filho acatou o recurso e julgou o pedido improcedente.
"É um caso que envolvia pessoas ligadas ao tradicionalismo, ao CTG [Centro de Tradicionais Gaúchas]. Como achei que o assunto seria interessante e sei que o gaúcho gosta de verso, de poesia, resolvi fazer essa tentativa", afirmou Simões Neto.
Mesmo em forma de verso, a decisão não deixa de ser o resultado do trabalho de analisar o caso, enfatizou o magistrado.
"Fiz um rascunho e vi que daria. Mesmo que seja em verso, eu tive que fazer uma análise do processo, para analisar a eventual culpa de cada um. Só o verso não basta. Tem que fazer o verso em cima da análise do processo. O verso é a forma, mas tive que fazer a análise do conteúdo no próprio verso", disse o juiz.
Simões Neto tem intimidade com a escrita, além da forma usual sentenças judiciais. Ele afirma que escreve crônicas e tem dois livros publicados, um com suas crônicas e outro da biografia do pai, que era advogado.
"Meu pai quando era advogado fez ao menos duas defesas em verso, que não é o mesmo que uma sentença. Então eu já tinha uma referência em casa e resolvi me aventurar. Até que recebi elogios", afirmou.
O magistrado não teme que sua atitude abra margem para a população ou a comunidade jurídica o considerarem um brincalhão. "É realmente inusitado, que foge do aspecto formal. É que o direito é muito sisudo, estanque. Então resolvi sair dos padrões normais. Eu corro o risco [de não ser levado a sério]. Parece que o rapaz que perdeu a ação achou que foi uma brincadeira. Mas não foi. Julguei de forma séria, como julgo em todos os processos. Apenas o formato foi diferente", disse.
Veja a decisão em verso do juiz gaúcho:

"Este é mais um processo
Daqueles de dano moral
O autor se diz ofendido
Na Câmara e no jornal.

Tem até CD nos autos
Que ouvi bem devagar
E não encontrei a calúnia
Nas palavras do Wilmar.

Numa festa sem fronteiras
Teve início a brigantina
Tudo porque não dançou
O Rincão da Carolina.

Já tinha visto falar
Do Grupo da Pitangueira
Dançam chula com a lança
Ou até cobra cruzeira.

Houve ato de repúdio
E o réu falou sem rabisco
Criticando da tribuna
O jeitão do Rui Francisco

Que o autor não presta conta
Nunca disse o demandado
Errou feio o jornalista
Ao inventar o fraseado.

Julgar briga de patrão
É coisa que não me apraza
O que me preocupa, isso sim
São as bombas lá em Gaza.

Ausente a prova do fato
Reformo a sentença guerreada
Rogando aos nobres colegas
Que me acompanhem na estrada

Sem culpa no proceder
Não condeno um inocente
Pois todo o mal que se faz
Um dia volta pra gente

E fica aqui um pedido
Lançado nos estertores
Que a paz volte ao seu trilho
Na terra do velho Flores."

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