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sexta-feira, 15 de junho de 2012

OBITUÁRIO


Anteontem

Saíste apressado do teu barraco
Tua mãe perguntou aonde ias
Nada disseste
Era noite:
- Menino, olha o que tu vai fazer!
Alertou aflito o coração de mãe
Encontraste um amigo
Bebeste com ele
Brincaste
Lançaste a proposta
Tiraste um sarro:
- Covarde, bundão!
- Tá bem, vamu lá!
Ele disse
Alugaste o trinta e oito
Na mesma boca de fumo do Rubião:
- Devolve rapaz, senão és defunto!
- Deixa comigo!
Disseste
É parada dada
Não tem o que errar
Passaste na casa da Deuzimar
Trocaste uns beijinhos
Teu parceiro tava suando
- É onze hora, cumpadre!
- Vai querer fuder?
Sorriste pra ele
Pegaste o camelo
Ele subiu na garupa
             - Não te afoba
             - É parada dada
             - É dia de pagamento
             - A Moça tá buiada
             - Não tem o que errar
Chegaste na Quintino
Faltava pouco
Era quase meia-noite
Tu tava de mutuca
             - É parada dada
             - É só esperar
Olhaste pro canto não viste a moça
Viste a patrulha em ronda inesperada
Procuraste abrigo num canto escuro
Seguraste o trabuco sem pensar
O teu comparsa fugiu numa pisada
Ficaste...
Reagiste...

Ontem

Eu vi a tua foto
Derramando sangue no jornal
Eras conhecido da polícia
Tinhas passagem na 1ª Zpol
- Elemento perigoso!
Dizia o policial
Olhei teu rosto de menino
Dormindo no chão do beco
Perigo se havia não há mais
Não há mais passado
Não há mais futuro
O Rubião perdeu a arma
E o vício, um viciado
A moça nem soube do acontecido
Dormiu na casa do namorado
A tua mãe inconsolada chora
Junto aos teus irmãos espantados

Hoje

Foste enterrado
No Cemitério Municipal do Tapanã
João Rosa Laranjeira, 19 anos
Assim dizia, seco
O obituário.

Ney Cohen

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