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segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Eduardo Galeano - O livro dos abraços

A dignidade da arte



Eu escrevo para os que não podem me ler. Os de baixo, os que esperam há séculos na fila da história, não sabem ler ou não tem com o quê.

Quando chega o desânimo, me faz bem recordar uma lição de dignidade da arte que recebi há anos, num teatro de Assis, na Itália. Helena e eu tínhamos ido ver um espetáculo de pantomima, e não havia ninguém. Ela e eu éramos os únicos espectadores. Quando a luz se apagou, juntaram-se a nós o lanterninha e a mulher da bilheteria. E, no entanto, os atores, mais numerosos que o público, trabalharam naquela noite como se estivessem vivendo a glória de uma estréia com lotação esgotada. Fizeram sua tarefa entregando-se inteiros, com tudo, com alma e vida; e foi uma maravilha.

Nossos aplausos ressoaram na solidão da sala. Nós aplaudimos até esfolar as mãos.


A função da arte/1



Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia,
depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: — Me ajuda a olhar!

Eduardo Galeano em O livro dos abraços

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