Páginas

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Tirando o chapéu para Edney Silvestre


“Se Eu Fechar os Olhos Agora”, de Edney Silvestre, vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura 2010 na categoria estreante, é um romance finamente urdido, que transita entre vários gêneros (policial, formação, social, histórico), constituindo-se um excepcional painel da vida brasileira no comecinho da segunda metade do século passado.


Passa-se numa cidade do interior do Rio de Janeiro, zona cafeeira de antigo esplendor, onde o corpo mutilado de uma bela mulher é encontrado à beira de um lago por dois garotos de 12 anos, na data em que o astronauta russo Iúri Gagárin subiu ao espaço pela primeira vez a bordo de uma nave espacial, em 12 de abril de 1961.

A partir daí, com grande domínio do texto, inclusive lançando mão de todo um arsenal de recursos conhecidos apenas dos que têm pleno conhecimento do código literário, Edney Silvestre vai desenrolando sua trama em que, paralelamente ao interesse nunca arrefecido pelo desvendamento do pavoroso crime que envolve altas figuras da sociedade local, são expostas algumas chagas da sociedade brasileira, como o classismo, o racismo e o machismo, ainda hoje não plenamente saradas.

Se alguns apontam que, em certos momentos, os diálogos entre os dois guris soam excessivamente maduros, vale lembrar que a narrativa sai da boca de um deles já na maturidade, quando os fatos vividos e a sua memória se enredam de tal maneira que dificilmente se distingue o que aconteceu da sua reconstituição pelas lembranças. Questão que é inteligentemente colocada pelo narrador no trecho a seguir, a propósito de uma canção (“Noche de Ronda”) ouvida na época e recordada nevoentamente depois por um dos protagonistas:

“Eu nem sabia como era a vida dela naquela noite. Imaginei a canção mais tarde. Ouvi a canção mais tarde. A música em espanhol, a voz na noite, tudo foi acrescido e... Não. Não. Não. Tenho certeza: ouvi naquela noite. Uma voz de homem. Acho que era. Faz sentido: voz masculina. ‘Ella se fue’, ele canta. Quem lamentava o abandono era ele. Uma voz masculina. Acho. Tenho certeza. Acho. Voz masculina, grave. Na mesma noite do dia em que encontramos o corpo dela”.

Jornalista do primeiro time, entrevistador sensível de escritores na televisão, plenamente familiarizado com o universo literário, Edney estreia na ficção com o pé direito.

Texto integralmente extraído de http://www3.interblogs.com.br/homerofonseca/

Nenhum comentário: