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sexta-feira, 18 de junho de 2010

Carta de despedida ao Claudionor

Hoje eu preparei uma vodka . A tua partida me deu sede, uma necessidade de embriaguez, de esquecer a tristeza, de ser consolado antes de consolar.
Sabia que tua partida era inevitável, mas invejei a fé de tua companheira e a força que eu não teria, mas queria ter, mas não tenho, e tive a ilusão que tu poderias ficar mais um pouquinho, e a gente poderia ser um pouquinho mais amigo, porque de repente me deu uma vontade enorme de te conhecer mais esse pouquinho, porque o pouquinho que eu te conheci me deu a impressão que poderíamos ser amigos um pouco mais e esse pouco mais me faria ser mais do que hoje eu sou.
Não tinhas a idade para ser meu pai, só a idade de um irmão mais velho, mas a sensação de perda que senti hoje foi a mesma quando, aos 19 anos, perdi meu pai, aquela sensação de que estava próximo o tempo de nos tornarmos realmente amigos, de nos conhecermos, e esse tempo se perdeu de um momento para outro.
Mas fomos amigos um pouquinho, porque tu sabias ser amigo, compreensível, de fala mansa, de sorriso fácil, de um silêncio educador. Conversamos, bebemos, rimos e até saímos juntos uma vez, vez suficiente para eu saber o quanto eu tinha a aprender contigo.
Não era o momento. Era? Não era? Inexorável destino. Destino inexorável.
Diz a ciência que daqui a cinquenta anos ninguém mais vai precisar morrer.
Teu pai, este sim, com idade pra ser meu pai, meu velho amigo Manoel, te relembrando ainda menino, pequeno companheiro do Antônio, do Antônio da morte prematura, recordando do Bandola e da querida Margarida, se pergunta; o velho Manoel se contorce, numa dor de desconsolo, e se pergunta: Por que o meu filho? Por que não vou eu?
- Porque as coisas não são assim, responde o Bira, e se assim simples fossem, não é Bira?, que graça a vida teria, de quantos manoeis ficaríamos órfãos? Já não bastam as partidas inesperadas dos claudionores?
Eu estava indo tratar da minha saúde quando fui informado da tua partida e, ao mesmo tempo, convocado pro time que faria o meio campo junto com teu pai.
Sabe, Claudionor, se fosse imaginável qualquer compensação que pudesse superar a notícia da morte de um amigo, bem poderia esta ser o chamado dos irmãos desse amigo para ajudar a consolar o pai, inconsolável, com toda a razão.
Eu, de natureza covarde, que foge a qualquer desafio de enfrentamento mais profundo, que preferira até então renegar a amizade a ter que encarar os impropérios que um dia ou outro inexoravelmente estas amizades nos impõem, fui, no minuto final da partida, convocado a participar e, paradoxalmente, tal qual a inexplicável e indescritível fé da Lourdes, dos teus filhos e de tuas irmãs, silenciei o rádio do carro e segui feliz, feliz por mim, por teus irmãos, por teu pai e por ti.
Obrigado por tudo meu prezado amigo!

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