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quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Tratado acerca das flores

A Confraria d'A Cova dos Poetas comemora no próximo ano dez anos de existência. Dois mil e dez - 2000 e 10 - dois números cabalísticos. Essa Confraria, fundada oficialmente em 2000, a partir do lançamento do seu 1º livro - A cova dos poetas -, surgiu com a ideia de dar vazão a uma produção literária engavetada por anos, de pessoas comuns, obscuras até: funcionários, operários, engenheiros, odontólogos, atendentes, agrônomos... A cada novo lançamento, novos autores a ter seus quinze minutos de fama. E o que é mais importante: uma produção literária vindo à tona, boiando e sobrevivendo num rio imenso - Pará - de turbulências e profundidade enormes, onde quem não dá pé e não tem pique pra nadar e nadar acaba se afogando. E quem não se afogou, gostou, ficou e tá aí até hoje, comemorando conosco o lançamento do quinto livro - Tratado acerca das flores - o terceiro de poesia. São seis autores, três confrades reminiscentes (Alberto Abadessa, João Bosco e Ney Cohen) e três confrades convidados (Adina Bezerra, Walcyr Monteiro e Heliana Barriga), e aproximadamente 70 poemas, que poderão ser lidos em outubro (previsão não otimista).

Estamos todos convidados. Então, vamos brindar!


CIO
Adina Bezerra

Acordo inquieta na madrugada
Não compreendo o que quero
Sinto meu corpo incendiar
Parecem chamas do inferno
Na intensidade do calor
Um forte cheiro exala
Oriundo de minhas entranhas
Percebo-me devassa
Sinto-me uma leoa no cio
Querendo sua presa alcançar
No encanto - magia de bicho
Em verde mata a decantar.

 


A TINTURARIA FICA EM FRENTE À CASA
Alberto Abadessa

A tinturaria fica em frente à casa
Às 19 horas uma bela mulher
Fica despida, seio ereto
Olhos virtuosos
Lábios carnudos
Vê em frente à tinturaria e a
Delícia dos meus olhos
Tento telefonar, não telefono.
Tento gritar de um sexo
Desesperado
Não grito
Sou um covarde
Não resta a menor dúvida do
Covarde, o que faço?
Líquido, som,
A insensatez de dormir
Esperando
A tinturaria fechar
Na noite seguinte...




Pobre é o pé - a planta racha à fome e à fé                 Heliana Barriga
A palma e pobre e aclama forte
À contramão jurando sobre
Pobre cobre o corpo
O papelão
              Pobre é a pá
             Asa abortada
             Fechada ao elevador
Rodoviária porto metrô coreto praça
A rua é minha casa
Minha extensão e graça!
Pobre é o pênis
A derramar pobres meninos
Perdidos podres prostrados
Pobre é o pensar
            De poucos
                    À progressão
                                De pobrestação.



 
O QUINTO LADO DO QUADRADO

Ney Cohen

Eu sou o quinto cavaleiro do apocalipse
Vago sob a quinta lua em eterno eclipse
Na quinta estação do ano hiberno.
E sonhos me revelam segredos dos céus e inferno.

 Sou eu o quinto dos elementos naturais
O ideal ponto quinto dos cardeais
Detrás da quinta lua de Júpiter assisto
O conflito cósmico entre Io e Calisto.


Eu sou o quinto ícone animal do oriente
Com asas de fogo, o quinto ser vivente
O humano quinto erro nitzscheniano
Fardo humano, demasiado humano

 Sou eu o quinto santo evangelista
A quinta-essência niilista
Sobre a quinta letra do deus morto blasfema
O verso quinto, a quinta estância desse poema.
 
 
Origem, voltar-me

João Bosco
          Foi criança
               numa mulher
                      adolesceu desconhecido
                      adolescente na beleza
                                          na mulher
                      adolescente na beleza
                                          da mulher que amava
                                                                  sorria
                                          de esperança
                                          de indiferença


               Encantado, não vacilou
                                         mergulhou
                     até esvaziar a enchente
                                         plenitude
                                                    o amor

               Abandonado, não arriscou
                                     não desejou
                   esvaziou o que era plenitude
                                     não era
                                                    o amor



NO RIO DE MEUS AMORES


Walcyr Monteiro


          Maria caiu
          No rio de meus amores
          Nada, Maria, nada!


                                                 Maria afogou
                                                 No rio de meus amores
                                                 Nada, Maria, nada!


Maria saiu
Do rio de meus amores
Viva, Maria, viva!


                                        Que aconteceu
                                        No rio de meus amores?
                                        Tudo, Maria, tudo


                                                          Nada, Maria, nada


           No rio de meus amores
           Maria foi quase tudo
           Maria foi quase nada


O que ficou
No rio de meus amores?
Tudo, Maria, tudo


                                Nada, Maria, nada!

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