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sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

QUE FAZER SE CANCELAM TEU VÔO NO MEINHO DO ATLÂNTICO...



Por Geneton Moraes Neto


ATENÇÃO, SENHORES PASSAGEIROS. PANE NUMA TURBINA. O AVIÃO PODE CAIR NO OCEANO. O QUE O POETA FAZ NUMA HORA DESSAS ? UM POEMA !
É tiro e queda: navegações pelo Planeta Blog ( já, já, chegará o dia em que o número de blogueiros superará o de leitores) podem trazer recompensas inesperadas. O internauta se transforma num Pedro Álvares Cabral: sem esperar, pode dar com os costados num porto seguro.
Uma ressalva: por uma questão de justiça, deve ficar consignada na ata a constatação de que o lixo internético é imenso, enorme, paquidérmico. Fiz os cálculos: se pudessem ser armazenadas em sacos de lixo, as idiotices escritas por antas desocupadas - entre as quais, listam-se celebridades e subcelebridades de todos os calibres possíveis e imagináveis - seriam suficientes para encher quatro mil e oitocentos e cinquenta caminhões-caçamba por hora.
Mas há, como sempre, o reverso da moeda: com uma frequência maior do que se imagina, pepitas reluzem no Planeta Blog.
Um exemplo, entre centenas: o blog de Homero Fonseca, jornalista pernambucano, publica belos versos, escritos por um poeta dominicano sob circunstâncias dramáticas: o avião em que o poeta fazia uma viagem do Recife para Miami sofre uma pane sobre o Oceano. O que fazer numa situação dessas ?
Com a palavra, Homero Fonseca & o poeta que escapou mas que, ainda que morresse, teria sido salvo pela poesia (http://www3.interblogs.com.br/homerofonseca/):


"Rei Berroa, 59 anos, poeta dominicano, professor na George Mason University no estado da Virginia, EUA, regressava do Recife para Miami, após participar da Fliporto, domingo 9 de novembro, quando o avião em que viajava sofreu uma pane numa turbina e teve de retornar uma hora depois de estar sobrevoando o Atlântico. Foi uma hora de pânico, choro e reza entre os passageiros. O poeta, entretanto, resolveu escrever um poema sobre aquele momento extremo que estava vivendo. Foi uma atitude verdadeiramente poética. O poema me comoveu, como raramente me ocorre com a poesia contemporânea. Transcrevo-o a seguir, assim como a tradução que intentei, para a qual tive a colaboração em forma de mirada crítica de Eduardo César Maia, cabendo-me, entretanto, toda a responsabilidade pelo eventual resultado pífio.

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QUE FAZER SE CANCELAM TEU VÔO
NO MEINHO DO ATLÂNTICO E ESTÁS
NO AR A NOVE MIL METROS DA CRISTA DAS ONDAS


O primeiro deve ser que de nada serve
preocupar-te nessas circunstâncias.
De nada serve rezar
a deuses que estão sempre tão distantes
quando se trata de nossa frágil humanidade
cheia de incertezas e esperanças.


Que nunca te surpreenda o desalento
quando sintas que tua existência se encontra ameaçada.

Ao contrário, tens que mirar fixamente a branca
morte no umbigo, arrancar-lhe
seus sons pavorosos e ousadia osteoporósica.
Depois, sopra com força em suas narinas, até
que, resfolegante de raiva, ela se estilhace em mil pedaços
e te deixe tranqüilo nesse transe
quase último de tua enteléquia.

Agora tens apenas uma hora
para apagar o quanto antes a carranca da morte
e afirmar tua militância pela vida.

Logo tens que olhar ao redor e sorrir
aos que contigo abraçam esta hora
em que deslizas nesse vôo do destino
nas mãos do piloto que não notaste antes
e recordas todos esses anos
em que a vida foi tão generosa com teus anseios
e sabes que tens vivido como sempre quiseste
pois deste asas feitas de palavras aos teus desejos
e alimentaste os sonhos de outros em tua casa,
onde Ana e Olívia amanhã se queixarão
da desordem em que deixaste tua mesa
e de todos esses livros em projeto
que ninguém jamais escreverá,
nem mesmo teus irmãos, teus amigos, os alunos e colegas

inclusive os que em ti talvez
algo alguma vez puderam invejar
e por isso é normal que te acusassem
pois talvez tivessem medo da verdade
e viravam o rosto cada vez que algum entre vocês
denunciava falsidades
e celebrava os mais vulneráveis
ante a mesquinhez do prepotente que brande
sua insegurança sobre o futuro dos homens.

Lembra-te de que só se atiram pedras
na árvore que dá frutos.

Por isso, agora,
nesses preciosos três mil e seiscentos segundos
em que, apesar de ti, regressas ao porto de partida
e todas as lembranças te golpeiam
de repente na memória e o que vês
no outro lado da janela do avião não são
nada mais que brancos cúmulos, nuvens
feitas de consciência e alegrias prateadas,

agora mesmo, te dizias, só importa
que amanhã será outro dia e estarás
ou em pequenos pedaços na barriga
de alguns tubarões não fictícios do Atlântico
ou na internet descrevendo a teus amigos tua odisséia
um nove de novembro a nove mil
metros da crista das ondas
no vôo nove oitenta do Recife a Miami.

Se é verdade que esta é tua hora,
deves seguir escrevendo com lápis e papel
e que a morte te flagre entregue
à dona de todas tuas idades e atenções,
à tua amiga, amante e companheira,
tua senhora, a Poesia.
Rei Berroa

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