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sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Frei Betto

Curta literatura curta

Indagaram de Gabriel García Márquez se invejava algum escritor vivo. Pergunta difícil, quase um xeque-mate. Porque nós, escritores, somos uma espécie de bípedes para os quais os pés importam pouco e as mãos muito, e entre nossas virtudes a humildade não se sobressai. Coisa mais rara é um literato elogiar outro que seja menos famoso do que ele.
Elogios aos mortos todos fazem. Sobretudo no dia do enterro. Ainda que seja pelo alívio de um concorrente a menos. Mormente em se tratando de um imortal que morreu, deixando vaga mais uma cadeira na Academia. Sei que dito assim pode parecer perverso. Ora, pior seria utilizar a literatura para maquiar nossos defeitos. Palavras não servem para adornar vaidades, e sim para exorcizar espíritos.
O autor de Cem Anos de Solidão respondeu afirmativamente, para surpresa de muitos. Invejava um escritor latino-americano, nascido em Honduras, naturalizado guatemalteco e exilado no México – Augusto Monterroso, falecido em fevereiro de 2003, aos 82 anos, e ainda desconhecido no Brasil.
Monterroso é autor do conto mais curto da história da literatura, “O Dinossauro”. Apenas sete palavras: “Quando despertou, o dinossauro ainda estava ali”.
Tal concisão não é fácil de ser encontrada. Mas também não é exceção. John Aubrey narra em Vidas Breves (1693): “Richard, conde de Dorset, enamorou-se da célebre cortesã, a senhora Venetia Stanley, casada com Sir Kenelm Digby. Uma vez ao ano convidava a ela e a seu marido e, naquela ocasião, a contemplava com muita paixão e desejo, permitindo-se tão-só beijar-lhe a mão, sempre em presença do senhor seu marido”.
Dostoievski redigiu, em Os Possessos (1872), um curtíssimo conto: “Pensei que algum dia me levarias a um lugar habitado por uma aranha do tamanho de um homem, e que passaríamos toda a vida olhando-a, aterrorizados”. Ainda me pergunto se esse texto do romancista russo não teria inspirado Kafka a transformar Gregório Samsa em uma monstruosa barata, em A Metamorfose.
Oscar Wilde conta em O Fantasma de Canterville (1891): “A velha madame de Tremouillac, após despertar cedo certa manhã, e ver um esqueleto sentado no sofá lendo seu diário, teve que ficar de cama durante seis semanas, com um ataque de febre cerebral. Ao recuperar-se, reconciliou-se com a Igreja e rompeu toda relação com este notório cético, o senhor Voltaire”.
Kafka também cunhou uma pequena obra-prima: “Uma gaiola saiu em busca de um pássaro” (1919, Reflexões sobre o Pecado, a Dor, a Esperança e o Verdadeiro Caminho). O peruano César Vallejo, autor de “Trialce”, um dos mais belos poemas latino-americanos, escreveu: “Saio à rua e há rua. Começo a pensar e há sempre pensamento. Isto é desesperador”. (1928, Contra o Segredo Profissional).
“As últimas palavras da mãe de Goethe a uma empregada que veio chamá-la para almoçar: ‘Diga-lhes que a senhora Goethe não pode ir, porque está muito ocupada em morrer’.” (1938, André Germain, Goethe e Bettina).
Em La Vida Imposible (2002), Eduardo Berti escreveu: “Segundo meu amigo L., Cristo viveu sete dias antes de Cristo, porque nasceu em 24 de dezembro, e o primeiro ano da era cristã só teve início no 1º de janeiro após o seu nascimento. Meu amigo, que é ateu, não crê em nenhum milagre de Jesus, exceto neste de ele haver vivido antes de si mesmo”.
Frei Betto é escritor, autor de Típicos Tipos - Perfis Literários (A Girafa), entre outros livros.

Um comentário:

octavio pessoa disse...

Tomei conhecimento deste Blog, pelo Ney Cohen, com quem conversei longamente no "Quintal do Poeta", do Rui do Carmo, no sábado passado.
Já estamos trocando figurinhas.
O texto do Frei Beto é interessantíssimo e verdadeiro. A "ausência de humildade" de quem escreve, foi a tônica de minha conversa com o Ney.
Um grande abraço e já estou seguindo este Blog, com muito prazer.